Pai do Teatro do Absurdo, Eugène Ionesco faria 100 anos - uno Gitano™

Pai do Teatro do Absurdo, Eugène Ionesco faria 100 anos

"Uma coisa eu não entendo: por que eles sempre dão nas colunas sociais de jornais a idade dos que já morreram e nunca dos que acabaram de nascer?",

consta em um trecho de La Cantrice chauve (A Cantora Careca), até hoje uma das peças mais encenadas do dramaturgo francês Eugène Ionesco.
A peça trata do puro nonsense, que no palco resulta em risadas garantidas. Mas uma inocente piada torna-se a chave para um universo literário.
Eugene Ionesco nasceu na Slatina, Romênia em 26 de novembro de 1909, filho de pai romeno e mãe francesa. Algumas fontes indicam seu nascimento no ano de 1912. Esse erro é devido à vaidade do autor; no começo dos anos 50 ele diminuiu sua idade em três anos, depois de ter lido um comentário do crítico Jacques Lemarchand que enaltecia o advento de uma nova geração de jovens autores, entre eles Ionesco e Beckett.

Para o poeta dos olhos bondosos, a idade sempre foi relativa, embora sua infância estivesse sempre presente.


Infância

Ionesco lembra que, quando tinha três anos, queria ser vendedor de castanhas. Aos três anos e meio, queria ser oficial do Exército e, aos quatro anos, médico. "Mas, na verdade, só podia e queria fazer literatura. Nenhum gênero especial… só literatura", dizia o dramaturgo.

O desejo profissional do pequeno Eugène se realizou depois de um longo caminho. Sua família mudou várias vezes de endereço e também de país. Seu pai advogado e funcionário público, queria que o filho se tornasse algo "decente".

Depois do divórcio dos pais, sua mãe assumiu a educação do jovem, permitindo que ele mais tarde estudasse Filosofia, Francês e Literatura na Universidade de Bucareste. Em meados da década de 1940, Ionesco mudou-se definitivamente para Paris, onde descobriu cedo seu amor pelo teatro.


A paixão pelo teatro

Quando tinha apenas quatro anos, o pequeno Eugène fora a um teatro de fantoches acompanhado da mãe. Durante a peça, todos à sua volta davam risada, menos ele. A mãe pensou que o filho estava entediado e quis ir embora, mas era justamente o contrário. "Eu não estava de forma alguma entediado. Eu estava absolutamente fascinado, enfeitiçado… entusiasmado!", contou mais tarde o dramaturgo.

O teatro se tornou uma obsessão pela qual Ionesco acabou sacrificando os estudos e que nunca mais o deixaria em paz. Nos anos de 1950, escreveu suas primeiras peças, inicialmente em romeno, a língua de seu pai, depois em francês.

À Cantora Careca, uma espécie de absurdo teatro de fantoches para adultos, seguiu La Leçon (A Lição), uma paródia drástica e cômica sobre as consequências mortíferas de convenções pedagógicas e linguísticas, na qual uma professora de reforço escolar assassina sua aluna no final.

No entanto, Ionesco tornou-se conhecido – inclusive internacionalmente – somente dez anos depois com Rhinocéros (Os Rinocerontes), uma fábula de animais sobre o poder do mal e o oportunismo.

- "O Rinoceronte", escrita há mais de 40 anos por Ionesco, demonstra uma temática bastante atual. Na peça, o dramaturgo conta a história de uma cidade pacata que se transforma completamente após a passagem de um rinoceronte por suas ruas. À medida que a origem do paquiderme é discutida e em alguns casos rebatida, ele, misteriosamente vai se proliferando de maneira incontrolável, até finalmente notarmos que os próprios cidadãos da cidade vão aos poucos se metamoforseando em rinocerontes. Nas entrelinhas, é claro que o rinoceronte vem simbolizando o conformismo na qual a sociedade esta estacada. Essa metamorfose sofrida pelos habitantes é uma analogia ao processo continuo de mediocrização que a sociedade vem sofrendo há tempos, um processo que nos dias atuais vem se agravando. Esse conformismo presente na sociedade atual devido à incapacidade da mesma em ir contra as regras impostas por uma mídia massificadora, atrelada a um governo corrupto e a grandes empresas que só enxergam o lucro. Na situação que se apresenta, a sociedade se vê diante de duas escolhas, ou continua a se indignar e tenta mudar o panorama, ou se adequa à realidade.


O feitiço do nonsense

Comum a todos os dramas de Ionesco é o caráter de marionete de seus personagens e os diálogos mecânicos e desprovidos de senso através dos quais os personagens não necessariamente se comunicam. Para ele, esta era uma imagem do mundo totalmente sem sentido e esperança.

"Acho absurdo existir", dizia o dramaturgo. "Não considero a vida em si absurda. A história não é absurda, ela é lógica, é possível explicá-la. É possível explicar por que as coisas acontecem. O absurdo não está no interior da existência, mas a existência em si me parece inimaginável, impensável. Por que será?", questionava Ionesco.

Um pergunta que nem mesmo suas peças conseguem responder. Enquanto o irlandês Samuel Beckett, outro representante do Teatro do Absurdo, apresentava uma obra pessimista e hermética, as obras de Ionesco não continham uma atmosfera apocalíptica, mas antes uma alegria anárquica. Uma característica que lhe trouxe o desprezo de ideólogos de esquerda nos anos de 1970, mas que até hoje o público sabe apreciar.

Quinze anos após sua morte, Ionesco ainda é de longe o dramaturgo francês mais apreciado. No pequeno Théatre de la Huchette, no Quartier Latin de Paris, suas peças são encenadas ininterruptamente há mais de 50 anos.

Para Nicolas Bataille, ator, diretor e fã de Ionesco desde o começo, isso se deve principalmente ao fato dele não ser um intelectual no sentido depreciativo da palavra, pois para entendê-lo não é preciso quebrar a cabeça...

"Há de haver a liberação capaz de trazer a sensação de serenidade".

E é o riso que faz o papel dessa liberação. Por isso suas peças são dramas cômicos, dramas perpassados de humor. Ele acredita que o humor é a única saída para que possamos conviver com a falta de sentido de nossa condição humana.

A linguagem utilizada por Ionesco no seu teatro é desconexa. Ele parte para a desvalorização radical da linguagem, privilegiando as imagens concretas objetivadas no palco.

O elemento linguagem ainda desempenha papel importante, mas o que acontece no palco transcende e contradiz as palavras ditas pelos personagens. É que Ionesco desistiu de falar sobre o absurdo da condição humana, preferindo apresentá-lo tal como existe.

Essa apresentação de absurdo é que causa a desconexão da linguagem, isto é, as palavras proferidas nas suas peças nos são familiares, os conceitos também, mas por um processo de contraste, de elipse, de descontinuidade, de improviso, as palavras não têm o sentido convencional a que estamos habituados: tornam-se caricatura, linguagem fossilizada, denúncia de um mundo que perdeu sua dimensão metafísica, no qual o homem não tem mais a sensação do mistério.

Entretanto, subjacente a essa linguagem desvalorizada, há um apelo de Ionesco à restauração do conceito poético da vida, uma intenção de tornar a existência mais autêntica.
As táticas do teatro de Ionesco são as de choque perpassadas pela concepção de que a consciência do espectador, seu equipamento habitual de pensamento, sua linguagem, devem ser virados pelo avesso para lhe possibilitar uma nova percepção da realidade. Essas táticas facilitam o mergulho do espectador no absurdo e no desespero que, segundo o autor, põe cada um, por sua vez, a possibilidade do não absurdo e a busca de uma saída possível.

Ionesco expressa-se em peças de um só ato que possam ser desenvolvidas sem interrupção, pois está convencido de que teatro se faz com uma idéia muito simples, uma só obsessão e um desenvolvimento claro, auto-evidente.
Problematizador, crítico, o teatro de Ionesco contém duas linhas paralelas: a completa liberdade no exercício da imaginação e o forte elemento polêmico. Para o dramaturgo romeno, a criação artística é espontânea, e a fantasia é reveladora: um método de cognição.
Por outro lado, qualquer obra nova contém elementos polêmicos, pois um autor de vanguarda se opõe ao sistema vigente, é agressivo. A criação é agressiva, é dirigida contra a maioria do público pela novidade que apresenta. Causa indignação pelo inusitado e por ser ela própria uma forma de indignação.
Contestador, esse teatro aborda dois temas fundamentais: um é o protesto contra o torpor da civilização mecânico-burguesa, a perda dos valores reais; o outro é a consequente degradação da vida.

Seria errôneo considerar Ionesco apenas um palhaço, um autor de brincadeiras. Suas peças são um complexo de poesia, pesadelo, fantasia, crítica social e cultural, apesar de detestar o teatro abertamente didático, afirmando: "Não ensino, deponho. Não tento explicar nada. Tento explicar-me".

Seu teatro reflete suas preocupações, angústias, emoções, pensamentos. Consiste na projeção para o palco do seu mundo interior. Consiste, outrossim, na tentativa de transmitir aos demais o seu próprio sentido da existência, de dizer ao mundo quem ele é, o que sente.
Ionesco afirma que busca a matéria-prima de seu teatro em seus sonhos, suas angústias, seus desejos mais sombrios, suas contradições interiores. Não se sentindo só no mundo, nem solitário em tudo que é seu, admite ter adquirido muito do que traz em si de um repositório antiquíssimo do qual, certamente, toda humanidade beneficiou-se. E assim ele conclui que suas preocupações, angústias e pensamentos são comuns aos seres humanos.

A intenção de Ionesco ao escrever suas peças é que relacionemos com as suas abstrações nossa condição humana como a experimentamos. Ele quer aprofundar nossa consciência da condição humana, fazer-nos experimentar o que seus personagens experimentam.
Ele concebe o teatro como uma obra de arte, um espaço do testemunho, uma expressão de uma realidade incomunicável que, às vezes, consegue comunicar-se.

Fontes:
H. Romann (jbn)
e L. F. de Oliveira





Tudo que é imaginado é verdadeiro
Nada é verdadeiro se não for imaginado.
Eugène Ionesco


"O que dá sentido a vida é mais importante que a própria vida!"






Primavera/2009 in Brazil


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